Sempre houve notícias ruins. O que mudou foi a forma de reagirmos a elas.

Negatividade é valor-notícia desde antes do surgimento dos tablóides sensacionalistas. As “folhas volantes” que circulavam na Europa do século XVII publicavam relatos em primeira pessoa escritos por assassinos condenados à morte. Eram as chamadas “canções da forca”. Mas agora tem (bastante) gente que, deliberadamente, evita consumir notícias porque elas são ruins. Será essa a raiz da crise no Jornalismo?

Além disso, credibilidade é uma coisa séria e, sim, a indústria também sofre com a desconfiança sobre o conteúdo dos veículos. O último relatório do Reuters Institute mostrou que a confiança nas notícias caiu 2 pontos percentuais no último ano, de 44% para 42%. Não convencemos nem mesmo a metade da população que ainda nos lê/assiste/ouve. Mas fake news não é o nosso maior calcanhar de Aquiles.

Tendo a acreditar que, quando as pessoas dizem que se afastam das notícias porque estão cansadas de “coisas ruins”, na verdade há duas razões subjacentes:

  • a sensação de impotência;
  • a falta de um impacto efetivo que aquela notícia terá no seu dia a dia.
Relatório 2019 do Reuters Institute

Era da Hipersensibilidade

Notícia nunca teve o objetivo de fazer alguém feliz. E mesmo assim líamos o noticiário para “estarmos informados” sobre o mundo ao nosso redor. Acontece que esse mundo deu voltas e chegou à era do hedonismo, da razão sensível. Hipersensível. Não se trata de estarmos vivendo num mundo cor-de-rosa; longe disso! O hedonismo se manifesta nas intenções do dia a dia, na busca permanente pela felicidade, na liberdade imperativa, no lazer barato e encantador que a tecnologia promove.

É fácil passar horas jogando online. Caçar Pokemón cria uma camada lúdica e colorida sobre a cidade real, suja e insegura que habitamos. Quer coisa mais envolvente que cantar com amigos? É com isso que o TikTok agarra adolescentes mundo afora. E rir com os vídeos do YouTube? Fazer maratona no Netflix não falha pra gente participar da conversa no grupinho. Senão, põe aquela playlist no Spotify que parece ter sido feitinha pra ti. A tecnologia lava de dopamina nossas almas cinzas, da cor do jornal.

Relatório 2019 do Reuters Institute

Solidariedade e afeto

Se vivemos, de fato, um reencantamento do mundo, onde as tribos urbanas instituem um código de estar-junto sustentado pela sensibilidade, é natural que a solidariedade ressurja como um elemento dessa “nebulosa afetiva”, de que fala Michel Maffesoli. Quero o outro porque ele me protege, me faz forte, me permite existir. Quero o outro porque ele “me”… Hum. Não. Melhor deixar essa polêmica para depois.

Viver na coletividade não só me sensibiliza, como também me mobiliza. Amo a quem nunca vi nem ouvi, mas pensa do mesmo jeito que eu. E esse afeto me impele a agir em nome do laço que nos une. A solidariedade emerge da necessidade de pertencer a uma comunidade sensível, já que as estruturas racionais e utilitaristas da sociedade ruíram.

A insustentável impotência do ser

Assim fica difícil ver o sofrimento dos meus pares na televisão, sem fazer nada a respeito. Ou ainda, é insuportável sentir a dor e a injustiça provocada por aqueles que são notícia e reconhecer minha inaptidão para mudar a realidade.

Não são as “notícias ruins” que afastam o público do Jornalismo. As notícias não mudam, infelizmente, desde o século XVII. O que mudou foi a reação do público diante delas. A sensação de impotência foi agravada pela necessidade do afeto urgente. Só resta nutrir minha hipersensibilidade com aquilo que me faz feliz. E focar no mundo “do bem”.